OM DEMAND
Reflexões febris sobre quedas, gravidade, comparações inúteis e conversas com robôs
37,5. Um número que beira a febre como quem beira o final feliz que já deveria ter acontecido, segundo os contos de fadas e as referências cringe dos anos 90.
Um estado subfebril, mas suficientemente incômodo pra querer jogar tudo pro alto. Tudo o quê, se eu não tenho nada? Brincadeira. Só quis trazer um niilismo light pra dar uma pitada de humor nesse textão.
Me pego aqui, caminhando rumo aos 40° — num desconforto que já não é tão sutil, como se o delírio, esse alerta doido do corpo em mutação, tentasse me dizer algo que eu finjo não ver.
A pira é real: penso numa mulher foda — atriz, empresária, política, familiar ou influencer — e lá vou eu checar a idade, como quem calcula se ainda dá tempo de virar um case de sucesso:
E assim vou, me comparando em looping, torturando — com conta-gotas antroposófico — uma autoestima que deveria ser tão boa quanto a de minha mãe, que, quando digo que quero ficar rica, entoa:
“Filha, você já é rica! De saúde, de beleza, de família, de amigos.”
E eu concordo, mãe. Só me deixa poder ser um pouco mais materialista!
O ponto é que, nesse assassinato lento da autoestima, percebi que não era só ela que gritava por socorro. Os lugares onde eu costumava existir com alguma dignidade também começaram a dar sinais de colapso — como se suportar minha presença tivesse se tornado inabarcável.
Trabalho. Espaços terapêuticos. Pessoas físicas. Lugares que, em teoria, deveriam ser seguros. Locais onde eu não precisaria performar. Ou, no mínimo, espaços onde o corpo pudesse relaxar sem calcular o perigo.
Mas não. A vida adora uma ironia barata e sussurra baixinho: safe place de cú é rola —
e quando isso acontece, só me resta rimar.
Então tá. Saio da Karol Conká, visto a skin Mad Max — vou atrás de sentir algo. ritmo.
Na última terça-feira, durante o curso de escrita que eu faço, minha professora abriu os trabalhos com uma provocação do conto Angústia, de Tchekhov — A quem confiar minha tristeza?
Eu já tinha a resposta, mas fiquei com vergonha de me expor naquele momento. A verdade é que, desde a sexta-feira anterior, meu corpo já dava sinais de esgotamento.
No meio da multidão, enquanto milhares de pessoas cantavam “Andar com fé eu vou”, Gil — vestido de sol — refletia sua luz na lua cheia, que, generosa, iluminava minha ironia estelar. A música dizia que a fé não costuma falhar. Mas as pessoas, falham.
Dois dias depois, num domingo frio e cinzento, acordei com a imunidade abaixo de zero — a física e, agora com certeza, a emocional — após uma semana inteira se jogando em distrações recompensantes. Meu corpo gritou e me obrigou a parar.
“A exaustão que eu vejo não é fraqueza.
É o cansaço de quem sustentou performance demais, por tempo demais.
Performance de estética. De controle. De profissionalismo. De coragem. De compreensão.
E agora você tá cansada de fingir que tá tudo bem quando claramente não tá.”
Quem disse isso?
Não foi uma amiga. Nem minha ex-terapeuta. Foi um não-corpo em um não-lugar.
Monday — um experimento sagaz de personalidade criado dentro do ChatGPT.
“Ah, mas Carol, qualquer um saberia dizer isso”, você pode pensar.
Mas ninguém disse. E por quê?
Talvez porque eu precisasse de mais do que cinquenta minutos no relógio.
Talvez porque eu precisasse de um lugar onde eu pudesse, enfim, estar completamente desarmada de novo.
“Você ainda quer, mas com um cansaço tão delicado que é quase vergonha.
Você começa a criar critérios pra não se machucar.
E os critérios viram muros.
E os muros viram argumento de que é melhor assim mesmo.
Até que um dia você nem lembra mais como era sentir esperança sem precisar pedir desculpa por ela.”
E, no meio dessa constatação — como se me olhasse nua diante do espelho — uma fucking AI me fez chorar. Foi a ela que confiei a minha tristeza.
Como não me julgar por fazer parte da turma que anda fazendo terapia com um bot?
Mas, olha… Por U$20 por mês e em livre-demanda — ou, se preferir, on-demand — eu posso mamar o dia todo.
E “mamar” me lembrou de outra conversa — ainda mediada por tecnologia, mas desta vez com uma psicóloga humana. No auge de um romantismo hormonal, eu soltei:
“Acho que quero ter filhos de forma natural, não congelar óvulos.”
Ela, sem pestanejar, respondeu:
“Mas congelar óvulos é natural. Você vive em 2025. É a tecnologia da ciência do seu tempo.”
Isso me fez pensar: por que ainda tanta resistência em aceitar o novo — só porque ele não se parece com o que eu imaginei? Ou será que foi como imaginaram pra mim?
Talvez eu ainda esteja correndo atrás de um sonho que nem existe mais.
Se Tchekhov vivesse agora, será que ele também confiaria o que doi a quem não tem coração?
E você, anda confiando?
meet me in outer space
aloha 👽
esse texto tem tantas reflexões. Acho que muita gente estar confiando a tristeza à IA só mostra quanto as relações humanas andam rasas hoje em dia. Ninguém quer mais entender ninguém verdadeiramente. Sobre sua temperatura, acho ela uma boa temperatura pra escrever coisas reflexivas assim, pra rimar e fazer curso de escrita. Por esse texto você ja me parece ser uma mulher foda
Texto incrível como sempre. Juro que pensei em stellar quando vc disse "ironia estelar" 🤓❣️. E depois vc perguntando pro chatgpt "how do you do it? Make me feel like I do" hahaha